Muitos advogam que não é importante nascer, crescer e viver na Guarda - quem não é de cá obviamente tem uns argumentos diferentes e pugnam por outro estatuto muito semelhante a ser se cá. Mas de facto nascer e crescer na Guarda é, ter o berço mais alto – e isso ninguém de fora pode aspirar.
Só quem em miúdo calcorreou as ruas desta cidade, brincou às
escondidas nos buchos do José de Lemos e, depois de contar as moedas, foi
comprar um Sepol à D. Emília Pepe; foi às festas da cidade no Parque com o
palco sobre o lago; subiu da Duque de Bragança para a Pedro Álvares Cabral
pelos prédios brancos; fez cabanas no Torreão; andou de bicicleta em São
Vicente; jogou no Estádio da Cagalhota; correu na mata do Sanatório; só estes sabem
deveras o que isso é e significa… Não porque fez tudo isso, mas porque fez com
os de cá!
Ser de cá é por isso diferente! É um sentido de pertença
que, só quem é de cá conhece! Hoje ter a capacidade de dizer que este era do Prolar,
aquele das Lameirinhas, o outro era da Caixa, do Bomfim, da Estação, de São
Vicente, é conhecer e pertencer na perfeição um mundo de vivências e interações
que influenciam decerto um sentido de voto.
Ser de cá é ter gasto uns escudos no Lebasi, no Mónaco ou no
antigo Taco Dourado com todos os outros que também são de cá. É ter bebido uns
finos no Tony’s Bar, uns traçados na sala de trás da Tasca do Benfica, no
Marfim Bar ou no Estrela do Bomfim, e ter saído às tantas da manhã do Vicent’s,
do Canecão, do Zinco’s ou do Faz Festa! O importante? Não é ter estado lá, mas
sim com quem esteve lá, que eram os de cá!
(http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2010/06/guarda-antiga-e-personalidades.html) |
Ser de cá é ter conhecido a D. Sancho, o Pub Azul, o
Passaradas, o Forno e a Picadily e ter estado lá com todo o universo da gente,
gente de cá.
Ser de cá é conhecer o frio, é saber que os que são de fora
são sempre melhor tratados, mas principalmente é ter o prazer de voltar sempre
que estamos fora!
Ser de cá é criticar cá dentro o que por cá vai mal e
defender com unhas e dentes lá fora a sua austera cidade e o seu concelho que
mais vezes repele do que chama.
É ter estudado na Escola Industrial, ou no Liceu, ou no
Rocha, ou no Outeiro e aí conhecer os que nos são próximos territorialmente como
a rapaziada da Aldeia Viçosa, de Valhelhas, do Soito, da Aldeia da Ponte, do
Safurdão, do Manigoto, de Frexes, do Cadafaz, de entre muitas outras
freguesias, e que ainda hoje temos como grandes amigos, amizades que feitas
nesse tempo perduram conjuntamente com muitos de cá!
Ser da Guarda é conhecer Texas, o Côdeas ou as Lurdinhas; é
saber que o melhor marisco era o do Zé Gordo, os melhores finos os do ti João e
que as melhores tostas mistas eram as do Pólo Norte. Mas não é saber só por
saber. É saber porque aí viveu e partilhou momentos com gente de cá.
Ser da Guarda é ter tido o Prof. Tó-Zé ou o Padre Romana a
português, ou o “barriga de erva” a matemática, ou o Ambrósio a história, ou o “charruas”
a mecanotecnia, ou a Palmira bochechas a geografia. É ter conhecido a vara de
bambu da D. Odete ou o sotaque inconfundível da “madame”. Quem não é de cá pode
discutir o que ouviu, nunca o que viu ou viveu com aqueles que são
efectivamente de cá…
Ser da Guarda é ter conhecido o Pepe atrás do balcão do
Mondego, o ti Ismael no Monteneve, o ti Zé Reduto ou o Sr. Paula na Black, a D.
Sissi no Convívio, o “vê-de-noite” nas lameirinhas ou a Ramoni no Eguzky… Não
porque sejam personagens interessantes (que efectivamente são), mas sim porque também
lá estavam os de cá!
Ser de cá é ter visto nascer e crescer os bairros
periféricos na Quinta do Padre, na Quinta do Borrego, na Quinta dos Castelos,
crescer a estação ao longo da Av. de São Miguel, crescer as Lameirinhas. Sim,
porque a Guarda cresceu ao longo das ultimas décadas ao contrário do que muitos
dizem (porque não viram, porque não são de cá)…
Ser de cá é ter conhecido a antiga praça, ter visto nascer o
IEFP, a câmara, o IPJ e o IPG e saber e conhecer a quem é que a Guarda deve
essas obras. Ser de cá é lembrar-se do crescimento da nossa terra como se de um
filha se tratasse…
Ser da Guarda é ter conhecido o Tarzan, o Marco Paulo, o
Estuda, o Zequinha e o Kadafi; loucos? Sim! Mas os de cá sabem quem eles eram…
É ter visto o padre Abreu a abrilhantar os bailes de São
Vicente e ter comido as sardinhas no São João das Lameirinhas desde os seus
primórdios. É lembrar-se da Coia ou da Malaca a vender sacos, meias ou pensos à
porta da praça que estava voltada para os Tracanas… É ter frequentado o Grémio Egitaniense,
os bailes do Bomfim ou do Bairro da Caixa…
Ser da Guarda é ter comprado pão na Yoplait ou na Véritas e
ser o primeiro cliente da viúva nas arcadas ou da Orquídea…
Ser da Guarda é ter sido tratado pela Dr.ª Susana, pelo Dr.
Baieta, pelo Dr. Martins das Neves ou pelo Dr. Raul (este último “o pai” que
até passava uns atestados para os mais novos não chumbarem por faltas)…
Ser de cá não é só sentir a cidade como muitos defendem, é
ter respirado o ar da Dorna (sem a Av. Sá Carneiro) olhando para a estrada cuja
aldeia mais próxima era o Cubo; é saber que ao cimo da Vasco Borges, para lá do
Magistério quase nada havia; é ter conhecido o Quintal Medroso e lá ter feito
equilibrismo nas vigas queimadas do solar, e com quem? É lembrar-se que a
Guarda acabava na Ti Jaquina e que para ir à estação tinha quase um deserto de
campos e hortas pela frente com passagem por um pequeno conjunto de casas que
era a Póvoa do Mileu. Com os outros de cá que votam e que se lembram de tudo
isso!
Ser de cá é ter visto o Ardérius passar de padre a Doutor, a
Marília e o Raimundo perseguidos, o Curto ir dentro, o Carvalhinho a ir de fiscal
da praça a Vereador e mais tarde a doutor, juntamente com o Cabral e com o Armando.
Ser de cá era proteger os nossos! Primeiro os nossos amigos,
depois os do nosso bairro e depois proteger os da nossa cidade. E ai daqueles
que vinham de fora para fazer merda! Caiam-lhes todos em cima, fossem de que
zona da cidade fossem… Porquê? Porque se metiam com os de cá!
Depois as terras…
A terra para onde o colega de carteira ia ao fim de semana
ver os avós. A terra para onde convidávamos os amigos a ir às festas e
arraiais, às vindimas, às matanças… A quantidade de interações, vivências, laços
e relações que foram criados e que jamais alguém que não é de cá pode contar ou
replicar.
Ser de cá, não é apenas viver cá (a não ser que seja desde
tenra idade), nem sequer vir cá!
Para se ser de cá, tem que se conhecer as pessoas, as suas interacções,
as suas vivências, e as pequenas histórias da nossa cidade! Perceber o porquê
das coisas e dos acontecimentos. Conhecer as ânsias e as vontades, os sonhos e
as verdades de pessoas que apesar do frio têm o coração a ferver.
Por isso, ser da Guarda é estar, viver e respirar a cidade a
1056 metros de altitude desde a nascença. Conhecer becos e vielas, conhecer o
povo e a gente desta terra. É estar e ser mais acima!
Venha quem vier, de perto ou de longe, jamais alguém estará
à altura de quem nasceu, viveu e vive na Guarda!
Excelente texto! Parabéns!
ResponderEliminarBoa memória, a idade dos administradores deste blog deve rondar os 60 ou mais anos para terem bebido no Tony's Bar e se lembrarem do Zequinha...